Marcelo Guido

Cyberbullying é a prática de bullying por meio de ambientes virtuais, como redes sociais e aplicativos de mensagem. O bullying consiste em perseguição, humilhação, intimidação, agressão e difamação sistemática. Quando esses problemas saem da esfera da convivência física e passam para a esfera da convivência virtual, temos o cyberbullying, que é comum, nos dias de hoje, entre os jovens, devido à popularização do acesso à internet e ao uso massivo das redes sociais.
Com mais de 80% da população conectada, 70% possuem contas em alguma rede social, segundo dados de 2023 do DataReportal. As redes sociais são utilizadas como ferramentas para aproximação de amigos e famílias, mas o efeito colateral faz com que o mau uso das redes transforme o bullying, antes uma categoria de violência apresentada principalmente em ambientes físicos, em uma nova categoria de violência no ambiente virtual.
“Haters” é uma palavra de origem inglesa que significa "os que odeiam" ou "odiadores" na tradução literal para a língua portuguesa. O termo hater é bastante utilizado na internet para classificar algumas pessoas que praticam "bullying virtual" ou "cyberbullying". Basicamente, o hater é uma pessoa que simplesmente não está feliz ou satisfeita com o êxito, conquista ou felicidade de outra pessoa. Assim, preferem "atacar" e "criticar" o indivíduo, expondo-o a situações comprometedoras publicamente ou desvalorizando suas ações e vitórias.
No Amapá, o crescimento deste tipo de violência tem ganhado muito espaço. Vidas que nas redes sociais parecem perfeitas, com suas fotos e filtros, são motivo de frustrações incontidas para muitas pessoas, que veem as redes como um espaço de procura incessante por uma vida que não é palatável para a maioria.
Luma Couttinho, jornalista e digital influencer, tem mais de 200 mil seguidores no Instagram e mais de 800 mil no TikTok, totalizando mais de 1 milhão de pessoas que seguem suas dicas de beleza e arte. Um drama pessoal em 2019 a fez ganhar peso e, com isso, os ataques ao seu corpo – que para muitos perdeu o padrão de beleza desejável – começaram. Ela convive com ataques há cinco anos, o que a deixou abalada, principalmente por abrir feridas que ela já acreditava que estivessem cicatrizadas.

“Acredito que não tem como eu negar que essa enxurrada de hate que eu recebi acabou me deixando mal, sim, por um momento. Acionaram gatilhos que eu venho tratando de outras situações já vivenciadas, também de ataques cibernéticos e outras situações envolvendo meu corpo que atingiram de uma forma muito profunda. Então, eu acreditava que isso fossem traumas, enfim, feridas que já estavam sendo cicatrizadas. O que tinha nas publicações que eu havia feito que motivaram aquele hate, né? Esse ataque numa proporção tão grande. E depois eu percebi que as publicações não tinham nada de errado, que era da forma que eu sempre faço, e que eu nunca vou conseguir compreender o que passa na mente de outras pessoas que usam as redes sociais como forma de depreciar, humilhar e diminuir outras pessoas que muitas vezes elas nem mesmo conhecem”, contou.
O anonimato das redes sociais dá força para esse tipo de covardia. A inveja, a frustração e a certeza de que vão sair impunes dão a coragem necessária para que os ataques sejam contínuos e cada vez mais violentos.
Vinicius Caxias, psicólogo da Universidade Estadual do Amapá, explica que o maior culpado, o “hater”, é realmente o que mais precisa de ajuda, ou seja, é o indivíduo doente dentro da relação de agressão.

“Olha, muitas das vezes as pessoas usam a internet como uma válvula de escape. Então, a gente percebe, ao longo do tempo, um grande crescimento de grupos que promovem essa violência dentro do ambiente virtual. Em geral, são pessoas que carregam as suas frustrações do mundo externo, do mundo offline, e acabam despejando essa violência, esses ataques direcionados a grupos dentro do ambiente virtual”, disse.
No Brasil, 37% dos adolescentes afirmam que sofreram cyberbullying, e 36% faltaram à escola depois de terem sofrido algum episódio de violência no ambiente virtual. Esses dados, quando comparados aos de outros países, mostram o Brasil como um dos campeões em episódios de cyberbullying envolvendo jovens.
Para evitar esse tipo de problema, o especialista destaca a importância de cuidar da saúde mental também no ambiente online.
“Entender que a internet não é um mundo à parte, ela faz parte do nosso mundo, e o crime cometido lá deve ser reportado. E, após isso, se a vítima tiver um dano significativo à sua saúde mental, ela deve buscar apoio psicológico de profissionais para lidar com aquele fato”, concluiu.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei aprovada em dezembro no Congresso que inclui o bullying e o cyberbullying no rol dos crimes previstos no Código Penal. A pena em caso de condenação por bullying é de multa, mas é agravada para dois a quatro anos de prisão, mais multa, em caso de cyberbullying.

No Amapá, já existe uma delegacia especializada em crimes virtuais, que atende, além de casos de fraude, crimes relacionados ao cyberbullying.
Nicolas Bastos, titular da delegacia virtual no estado, acredita que a motivação é sempre pessoal para que a pessoa se torne um hater.

“Não é difícil dizer, porque cada pessoa tem suas próprias motivações, mas existe uma tendência de algumas pessoas que têm algum tipo de revolta interior e querem descarregar isso em alguém. Elas acham que, por estarem na internet, têm um escudo de proteção e que nunca serão descobertas. Isso é a maior bobagem. Eu sempre repito: todo crime deixa vestígio. Quando assistimos a um filme de detetive, vemos o detetive encontrar um fio de cabelo ou a impressão digital de alguém. Na internet, funciona da mesma forma. Sempre que você está na internet, está deixando vestígios do que está fazendo. E não adianta. As pessoas acham que por usar VPN, por exemplo, estão anônimas. Isso é uma besteira. Todo crime será responsabilizado porque sempre vamos localizar o vestígio, apesar de que existem muitos crimes. A Polícia Civil está cada vez mais buscando eficiência para sempre dar uma resposta”, disse o delegado.
Bastos informou ainda que a Polícia Civil já está vocacionada e preparada para atender esse tipo de ocorrência, principalmente depois do aumento de casos no estado.
“A Polícia Civil está cada vez mais vocacionada a esse tipo de crime. Houve um grande aumento de crimes cibernéticos, e ainda está acontecendo. A quantidade de boletins de ocorrência é cada vez maior. Mas é importante que a pessoa procure a delegacia o quanto antes. A forma mais fácil e rápida de fazer isso é através da delegacia virtual, no site da Polícia Civil, onde você clica no link e registra sua ocorrência imediatamente. Essa urgência é importante porque muitas vezes esses crimes são feitos de forma anônima, e é crucial que a polícia já pegue aquele perfil e preserve os dados, que serão usados para identificar a pessoa. O delegado de polícia irá preservar os dados cadastrais e buscará os vestígios deixados no sistema das redes sociais e na internet como um todo para identificar o criminoso”, concluiu.
Para fazer um boletim de ocorrência, a vítima pode procurar qualquer delegacia de polícia, ou acessar a delegacia virtual da Polícia Civil pelo endereço delegaciavirtual.sinesp.gov.br. A delegacia de crimes virtuais está localizada no Ciosp da Zona Oeste, na rodovia Duca Serra.
Citada no início da matéria, Luma Couttinho buscou seus direitos e também se envolveu com o apoio de seus pares e amigos para superar o ocorrido. Ela conta que não se deixar abalar pelas dificuldades é um dos passos, que a terapia ajuda muito e que o amor próprio é fundamental para superar tudo.
“Então, o que eu busquei fazer foi ter um acompanhamento psicológico, realizar terapias. Logo quando o ano começou, tudo isso aconteceu, mas eu tento me fortalecer também através da minha família, através de tantas outras pessoas que acreditam no meu potencial, que me apoiam e sabem quem eu sou, e que sabem que todo o meu potencial, a minha capacidade não são resumidos ao meu corpo, ao meu peso. São pessoas que sabem me respeitar. Então, eu acredito que preciso aprender a filtrar, a encontrar todas as coisas boas que ainda existem na internet e usar tudo isso como forma de me fortalecer e continuar vivendo esse trabalho, que eu digo que não é só um trabalho, é um sonho que vivo há mais de sete anos nas redes sociais, e que não posso deixar que pessoas maldosas, que não conhecem a minha história, destrua toda a caminhada que construí com muito amor e com tantas pessoas acreditando nisso junto comigo”, concluiu.
O número para denúncias da polícia no Amapá é o 190. O estado também oferece uma rede de ajuda para a saúde mental, formada por um atendimento multiprofissional em nove unidades especializadas em todo o estado. A ação faz parte do Plano de Governo da atual gestão, que visa fortalecer as políticas de saúde mental.
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